sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada.


.Caio Fernando Abreu

sábado, 24 de dezembro de 2011

Calos na língua; de calar.
            Alguma coisa entre a piscina
e a pia.
            Um hiato a menos.
Olho o ralo até turvá-lo,
penso que ele não pensa.
Ir com a água é a minha
recompensa.
Da boca que beija e diz,
asas de bem te vis
eu quis, e não dos pés
raiz.
Da tinta que fica, giz.
E da cicatriz, aqui,
eu quis a lá-
pis.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Pois eu sou
o ouvido vi
vo daqui
lo que sôo.



-Como vai?
-A pé.
[...]
-A cabeça cabe na cabeça?
-À beça.
nem o que fiz por que quis me faz 
fe liz ne me en tris te ce o
que fiz mas não quis nem me se duz
o que não fiz nem me con duz o
que jaz nem me a praz es se triz
nem o que des faz es se triz me
traz paz nem es sa paz tan to faz
nem tan to diz o que a voz faz
nem o que a voz diz vem só da
tez nem só de deus a mu dez nem
deus é só três nem se u sa a 
mes ma luz mais de u ma vez

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O andarilho


Quem alcançou em alguma medida a liberdade da razão, não pode se sentir mais que um andarilho sobre a Terra - e não um viajante que se dirige a uma meta final: pois esta não existe. Mas ele observará e terá olhos abertos para tudo quanto realmente sucede no mundo; por isso não pode atrelar o coração com muita firmeza a nada em particular; nele deve existir algo de errante, que tem alegria na mudança e na passagem. Sem dúvida esse homem conhecerá noites ruins, em que estará cansado e encontrará fechado o portão da cidade que lhe deveria oferecer repouso; além disso, talvez o deserto, como no oriente, chegue até o portão, animais de rapina uivem ao longe e também perto, um vento forte se levante, bandidos lhe roubem os animais de carga. Sentirá então cair a noite terrível, como um segundo deserto sobre o deserto, e o seu coração se cansará de andar. Quando surgir então para ele o sol matinal, ardente como uma divindade da ira, quando para ele se abrir a cidade, verá talvez, nos rostos que nela vivem, ainda mais deserto, sujeira, ilusão, insegurança do que no outro lado do portão - e o dia será quase pior do que a noite. Isso bem pode acontecer ao andarilho; mas depois virão, como recompensa, as venturosas manhãs de outras paragens e outros dias, quando já no alvorecer verá, na neblina dos montes, os bandos de musas passarem dançando ao seu lado, quando mais tarde, no equilíbrio de sua alma matutina, em quieto passeio entre as árvores, das copas e das folhagens lhe cairão somente coisas boas e claras, presentes daqueles espíritos livres que estão em casa na montanha, na floresta, na solidão, e que, como ele, em sua maneira ora feliz ora meditativa, são andarilhos e filósofos. Nascidos dos mistérios da alvorada, eles ponderam como é possível que o dia, entre o décimo e o décimo segundo toque do sino, tenha um semblante assim puro, assim tão luminoso, tão sereno-transfigurado: -eles buscam a filosofia da manhã.

quinta-feira, 30 de junho de 2011


"-quase como um daqueles super acontecimentos astronômicos malucos, quando um planeta gira no espaço sideral sem nenhum motivo, e seu núcleo incandescente se modifica, reposicionando seus planos e alterando radicalmente seu formato, de tal modo que a massa inteira do planeta se torna subtamente oblonga em vez de esférica. Alguma coisa assim... "

quarta-feira, 29 de junho de 2011

"A verdadeira sabedoria fornece a única resposta possível para determidado intante e, naquela noite, voltar para a cama era a única reposta possível. Volte para a cama, disse aquela voz interior onisciente, porque você não precisa saber a resposta final nesta instante, às três horas da manhã de uma quinta-feira de Novembro. Volte para a cama, porque a única coisa que você precisa fazer por enquanto é descansar um pouco e cuidar bem de si mesma até saber a reposta. Volte para a cama para que, quando a tempestade chegar, você esteja forte o suficiente para lidar com ela. E a tempetade vai chegar, meu bem. Mas não esta noite.
Portanto:
Volte para a cama, Liz"

terça-feira, 28 de junho de 2011

"E, sim, eu o amei. Mas, se eu conseguisse pensar em uma palavra mais forte do que 'desesperadamente' para descrever o modo como amei David, usaria essa palavra aqui, e um amor desesperado é sempre o tipo mais difícil de amor.




'Ai meu Deus, baby, como você está ferrada".