sou quieta como folha de outono esquecida entre as páginas de um livro, sou definida e clara como o jarro com a bacia de ágata no canto do quarto - se tomada com cuidado, verto água límpida sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto mas, se tocada por dedos bruscos num segundo me estilhaço em cacos, me esfarelo em poeira dourada.


.Caio Fernando Abreu

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Manual de sobrevivência

E agora? O que se dá quando todos os projetos falharam?
Como é que vai adiante em ruínas, com bolas de ferro nos pés, sonhos desfeitos, legados não cumpridos, ajudas não dadas?
Como é que se cresce de novo sem se sentir um grão de poeira, o sopro do nada, a ínfima gota de água, o último dos decentes?
Como é que se exerce uma honestidade quando se parece desonesto e cafajeste?
Como é que se mantém a coragem, a força, rapidez do raciocínio?
Como é que se confia no que se sente?
Como dar bolas a intuição, leveza, a fé incontestável?
Como é que medos que pareciam exorcizados voltam a rondar novamente? Criando uma névoa ao redor do espírito, dissipando lágrimas... excesso este de líquido que deixa meu barco sem equilíbrio num mar bravio. Perdi a quilha, a âncora?
Como é que se sai da sinuca de bico, das situações encurraladas, do alto do precipício, do pré-tombo, das surprezas desagradáveis, dos desencontros, da demora aflitiva?
Tenho a impressão sem molde de que esse estado é quase permanente, apesar de saber que toda tempestade é passageira, mas dilúvio também toma conta!
Tenho medo de desaprender o que sei e tudo que acredito.
Tenho medo de ficar no meio da rua, a mercê dos favores, a mercê indelicada dos ventos.
Tenho medo de um estado que só piora...
Apesar de saber no meu cantoda transitoriedade de tudo; que só se leva o abstrato, o extrato das experiênicas e conhecimento. Mas eu ainda tenho um corpo, eu ainda habito a Terra, tenho que sobreviver a algumas guerras e sofro de um infinito cansaço, parece que meu escudo perdeu a vitalidade...
Parece que pago por uma dívida que não tenho, a conta alta demais me foi apresentada, apesar de alguns dos meus erros, mas com toda a disposição dos acertos...
Se sou a incubência, a carta da vez, peço um pouco de trégua, pois o que já sou está em carne mais do que viva, e já é mais que bem vinda um pouco de suavidade....

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Deixo que ela fale por mim.

"Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo convivendo com tantas perguntas que o tempo não respondeu e com a ausência de qualquer garantia de que ele ainda responda. É me sentir confortável, mesmo entendendo que as respostas que tenho mudarão, como tantas já mudaram, e que também mudarei, como eu tanto já mudei.


Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo sentindo que cada vez mais eu sei cada vez menos, e não saber, ao contrário do que já acreditei, pode nos fazer vislumbrar uma liberdade incrível, às vezes. Tem saber que é nítida sabedoria, que fortalece, que faz clarear, mas tem saber que é apenas controle disfarçado, artifício do medo, armadilha da dona autosabotagem.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo percebendo que a minha vida não tem lá tanta semelhança com o enredo que eu imaginei para ela na maior parte da jornada e que nem por isso é menos preciosa. É me sentir confortável, cabendo sem esforço e com a fluidez que eu souber, na única história que me é disponível, que é feita de capítulos inéditos, e que não está concluída: esta que me foi ofertada e que, da forma que sei e não sei, eu vivo.


Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando, vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões que eu ainda não soube transformar, embora continue me empenhando para conseguir. É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade, suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem da paz e no desenho do caminho.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. Estarmos na nossa própria pele não é fácil e essa percepção é capaz de nos humanizar o bastante para nos aproximarmos com o coração do entendimento do quanto também não seria fácil estarmos na pele de nenhum outro. Por maiores que sejam as diferenças, as singularidades de enredo, as particularidades de cenário, não nos enganemos: toda gente é bem parecida com toda gente. Toda gente é promessa de florescimento, anseia por amor, costuma ter um medo absurdo e se atrapalhar à beça nessa vida sem ensaio.

Depois de tantas buscas, encontros, desencontros, acho que a minha mais sincera intenção é me sentir confortável, o máximo que eu puder, estando na minha própria pele. É me sentir confortável o suficiente para cada vez mais encarar os desconfortos todos fugindo cada vez menos, sabendo que algumas coisas simplesmente são como são, e que eu não tenho nenhuma espécie de controle com relação ao que acontecerá comigo no tempo do parágrafo seguinte, da frase seguinte, da palavra seguinte. É me sentir confortável o suficiente para caminhar pela vida com um olhar que não envelhece, por mais que eu envelheça, e um coração corajoso, carregado de brotos de amor.


O amor não correspondido capaz de mais nos ferir é o que a vida nos dedica e nem sempre retribuímos.
Chega uma hora em que ela cansa, com razão, de amar sozinha.
"
"A cura começa com ternura."
Ana Jácomo

Minha cara, minha Carolina

A saudade ainda vai bater no teto
Até uma canalha precisa de afeto
Dor não cura com penicilina